domingo, 22 de março de 2009

Memórias de um Sargento de Milícias

Alunos:
Eis um livro significativo: Memórias de um Sargento de Milícias. Texto leve, cheio de peripécias e aventuras ambientadas no Rio de Janeiro do tempo do rei. Muitos se perguntam por que essa obra literária é classificada como Romântica. Podemos lembrar que um dos traços desta escola literária é a elaboração artística de um passado nacional.
E isso, sem dúvida, acontece no livro. Não sob o viés da idealização, comum no Romantismo, mas sob o ponto de vista do humor e da ironia.
Há constantes referências a um passado nem muito distante e nem edificante: uma procissão conhecida como a "Via Sacra do Bom Jesus" era motivo de galhofas e brincadeiras. Veja um trecho do livro:
"Este ato [a procissão], que satisfazia a devoção dos carolas, dava pasto e ocasião a quanta sorte de zombaria e imoralidade lembrava aos rapazes daquela época, que são os velhos de hoje, e que tanto clamam contra o desrespeito dos moços de agora".
Essa atitude irônica também transparece quando o narrador se refere ao que acontecia em pleno Paço Imperial, no capítulo "Pátio dos Bichos". Um grupo de quatro oficiais superiores, ao invés de trabalhar, dormia sonorosamente:
"Às vezes acontecia adormecerem todos ao mesmo tempo e então com a ressonância de suas aspirações passando pelos narizes atabacados, entoavam um quarteto, pedaço impagável, que os oficiais e soldados que estavam de guarda, criados e mais pessoas que passavam,vinham apreciar à porta. Eram os pobres homens muitas vezes vítimas de caçoadas que naquele tempo de poucas preocupações eram objeto de estudo de muito gente"
Será que esse cenário de descaso, de desocupação em plena sede do poder, mudou no Brasil? Os nossos senadores tinham até há pouco um "diretor de check-in", nome chique pra designar um funcionário responsável por furar fila nos aeroportos para os nossos distintos representantes.
As Memórias realizam, dessa forma, uma das premissas do Romantismo: a construção da identidade nacional. Mas sem exibí-la sob o viés da grandiosidade e do ufanismo dos índios idealizados de José de Alencar.
Será que Manuel Antonio chegou mais perto do caráter das instituições e do povo brasileiro?
Pense, comente.
Um abraço!
Paulo

8 comentários:

  1. Muito legal o blog, Paulinho! Acho que essa maneira de continuar trocando informações com os alunos pela internet é extremamente promissora e pode contribuir muito para o desenvolvimento deles. Acho ainda que o processo de aproximação entre o leitor e a obra ganha incrivelmente com essa ferramenta.
    Que todos leiam muito e que possamos juntos construir, discutir e conviver cada vez mais com a ARTE!
    Abraços!

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  2. Já que foram citados no blog, uma homenagem aos integrantes do nosso Congresso Nacional:

    "eu F-I-quei muito
    orgu-L-H-O-S-o com a
    decisão de D-A-r aumento
    aos senadores e de-P-U-T-A-dos"

    acima, frase que circula em Brasília

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Paulo, não sei se estou correto. Se não estiver, por favor, me corrija:

    podemos ver o Leonardo filho como um pícaro espanhol, um malandro, um anti-herói, o que, de certa forma, afasta a obra do Romantismo e a aproxima do Realismo. Posso usar isso como argumento que comprove influência Realista?

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  5. A primeira coisa que me chamou a atenção na leitura de MSM foi a linguagem. Diferentemente de Gil Vicente, por exemplo, Manuel Antonio de Almeida não utiliza o português arcaico e linguagem rebuscada, pelo contrário, a linguagem é simples e não é necessário recorrer as notas de rodapé, o que torna, na minha opinião, o livro mais interessante, pois consigo compreender todas as passagens.

    Acredito que Manuel Antonio chegou perto do caráter das instituições e do povo brasileiro, pois apesar de o livro ter sido escrito em 1852, as cenas se encaixam perfeitamente ao contexto atual. Há uma passagem no livro que o Major Vidigal, símbolo da ordem, recepciona Maria Regalada com trajes inadequados a sua posição social, o que representa justamente a falta de ordem, e leva um certo humor ao leitor. Hoje, vemos nos jornais e revistas uma situação de desordem também. Há uma semana, surgiram escandalos sobre o pagamento de horas extras aos políticos enquanto o senado estava em recesso, porém essa situação não me parece cômica, como a lida no livro. É interessante perceber como o autor torna seu texto tão atual nesse aspecto.

    Muito legal o Blog ! Infelizmente meu repertório não é muito grande e eu ainda não terminei a leitura, mas espero que meu comentário contribua com o blog !

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  6. Fabiorb:
    Sem dúvida a obra se afasta daquele padrão romântico mais conhecido, que é o da idealização das personagens e dos sentimentos. A tese do Antonio Candido é que o livro não é ainda realista - mesmo porque foi escrito nos primórdios do Romantismo no Brasil - e sim manifestação de uma das formas românticas que é o do romantismo de humor, prosaico cotidiano. Ele refuta a tese do "picaresco" lançada pelo Mário de Andrade, por meio de justificativas técnicas. Há ainda o casal que se ama e que enfrenta mil obstáculos até terminarem num final feliz. Para Candido, o livro é do Romantismo, mas, como diz, de um Romantismo excêntrico, diferente.

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  7. Luís Gustavo:
    Infelizmente, Manuel Antonio de Almeida retratou com penetrância mazelas do Estado brasileiro que existem até hoje. Claro que usarem de nosso dinheiro para pagar hora extra de quem já no horário regular de trabalho não faz muita coisa nada tem de engraçado... Mas imagine que um bom humorista poderia se aproveitar da figura de um funcionário fanfarrão para gozar de tudo isso. O Humor tem esse direito. O José Simão não fala que este é o país da piada pronta?
    Um abraço!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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